
O governo federal publicou na quarta-feira (11/06) uma medida provisória (MP) com alternativas à alta do Imposto sobre Operações (IOF), que havia sido implementada em maio e foi suavizada.
O IOF, no entanto, ainda passará por algumas mudanças, decididas por decreto também publicado nesta quarta-feira pelo governo.
Em comunicado, o Ministério da Fazenda garante que a MP e o decreto foram alinhados com presidentes e líderes do Congresso. Mas, nos bastidores, há ceticismo sobre a perspectiva de sucesso da MP — que já está em vigor, mas precisa ser aprovada pelos parlamentares em um prazo determinado para virar lei.
Algumas das mudanças impostas pela MP são:
Já o novo decreto sobre o IOF prevê, entre outros pontos:
Algumas dessas medidas, ao serem anunciadas no domingo (08/06) pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já causaram reação entre os possíveis atingidos.
Outra mudança que o governo deve propor em um futuro próximo é a redução de benefícios tributários concedidos a empresas — Haddad tem defendido um corte de 10%.
O governo prevê arrecadar mais R$ 10,5 bilhões em 2025 e R$ 20,9 bilhões em 2026 com a MP.
Desde o domingo, o anúncio feito por Haddad foi seguido por fortes críticas de economistas e parlamentares, que ressaltam a incapacidade do governo de reduzir despesas, optando por fazer o ajuste fiscal principalmente através do aumento da carga tributária.
Além disso, agentes do mercado financeiro e os setores econômicos afetados avaliam que a taxação de títulos atualmente isentos pode reduzir a atratividade desses investimentos.
Isso tornaria mais cara a captação de recursos pelo setor imobiliário e agrícola, argumentam, o que pode resultar em aumento de preços dos imóveis e alimentos.
Haddad, por sua vez, diz que a taxação dos títulos incentivados corrige distorções no sistema de crédito e permite recalibrar o decreto do IOF.
Já o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, descartou impacto da medida nos preços de produtos nacionais.
Entenda em 8 pontos a polêmica e os argumentos de especialistas a favor e contra essa taxação.
As LCIs e LCAs são títulos de renda fixa — investimentos em que a remuneração é conhecida ou pode ser calculada com antecedência — criados para captar recursos para projetos do setor imobiliário e do agronegócio, respectivamente.
Atualmente, as LCIs e LCAs são isentas de IR na pessoa física, o que significa que todo o rendimento desses títulos é líquido.
Já investimentos como CDBs, letras financeiras (LFs), Recibos de Depósito Bancário (RDBs), fundos DI e outros títulos de renda fixa atualmente seguem a tabela regressiva de IR, com alíquotas que variam de 15% a 22,5%, dependendo do prazo de aplicação.
As letras de crédito são títulos emitidos por instituições financeiras e podem ser adquiridos pelos investidores através de bancos ou corretoras de investimentos.
Quem investe em um desses papéis empresta dinheiro à instituição, que então destina os recursos aos projetos indicados no nome e descrição do ativo.
O retorno destes títulos ao investidor pode estar atrelado a um índice de referência, como o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo, a inflação oficial do país) ou o CDI (Certificado de Depósito Interbancário, taxa de referência para investimentos de renda fixa, em geral com valor próximo à Selic). Há ainda opções com rentabilidade prefixada (por exemplo, 8% ao ano).
As LCIs e LCAs possuem sempre um prazo, após o qual é possível resgatar o investimento.
Tentar resgatar o dinheiro antes da validade pode acarretar em perdas.
Isso significa que, caso a instituição financeira emissora enfrente problemas como falência, intervenção ou liquidação extrajudicial, o FGC garante o reembolso ao investidor, até o limite de R$ 250 mil.
Por conta disso, esses são investimentos considerados bastante seguros.
Eles costumam ser uma opção principalmente para investidores pessoa física, de perfil mais conservador — aqueles que toleram pouco risco em suas aplicações.
Mas, por ser um pouco mais complexo calcular o retorno desses investimentos do que o de outros ativos de renda fixa mais simples, como a poupança, Tesouro Direto e CDBs (Certificados de Depósito Bancário), eles costumam ser uma opção para investidores de renda um pouco mais alta, afirma Michael Viriato, assessor de investimentos e sócio fundador da Casa do Investidor.
Segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), as LCAs somavam um estoque de R$ 560 bilhões em abril deste ano, e as LCIs, de R$ 455 bilhões.
A título de comparação, os investimentos em Tesouro Direto somavam estoque de R$ 170,9 bilhões em abril, e o estoque de CDBs era de R$ 2,53 trilhões naquele mês.
As LCIs e LCAs foram criadas por lei em 2004, durante o primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com o objetivo de incentivar os setores imobiliário e agrícola brasileiros.
Para Manoel Pires, coordenador do Observatório de Política Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre), há três ingredientes principais por trás da criação desses títulos incentivados há mais de 20 anos.
O primeiro deles é o ambiente de juros historicamente altos no Brasil.
Muitas vezes, os setores pediam isenção fiscal como uma forma de compensar as taxas de juros muito altas, que elevam o custo de captação das empresas , diz Pires.
Um segundo ponto é que esses títulos foram criados sob a justificativa de fomentar setores considerados socialmente importantes.
No caso do agro, há a questão do preço dos alimentos, então entra na lógica de isentar produtos ligados a esse setor , afirma. Já no caso imobiliário, é uma forma de baratear o custo de financiamento de construções, tornando elas mais baratas e acessíveis para a população.
Por fim, um terceiro ingrediente dessa receita, segundo o economista, é o lobby.
Pires observa que o agro, especialmente, tem uma forte representatividade junto ao Congresso.
Isso resulta em uma grande quantidade de estímulos e políticas públicas de apoio ao setor, incluindo todo um arcabouço tributário e condições de financiamento especiais para a atividade.
A MP prevê a aplicação de uma alíquota de Imposto de Renda de 5% sobre ativos de crédito imobiliário e do agronegócio, eliminando a isenção atualmente vigente.
A alteração abrange vários papéis atualmente isentos, incluindo:
Também são impactadas as debêntures incentivadas de infraestrutura.
A MP também traz a unificação da alíquota de Imposto de Renda (IR) que será cobrada sobre aplicações financeiras, para 17,5% — em vez da tabela atualmente vigente, que varia de 15% a 22,5%, dependendo do prazo de resgate.
Com a alíquota mais baixa de 5%, os títulos incentivados ficam de fora dessa unificação.
O ministro da Fazenda argumentou que o fim da isenção para títulos incentivados corrige distorções no sistema de crédito.
É uma medida que corrige distorções no sistema de crédito, na cobrança de impostos de rendimentos sobre títulos , disse Haddad no domingo.
O que essa medida provisória vai nos permitir? Recalibrar o decreto do IOF [Imposto sobre Operações Financeiras], fazendo com que sua dimensão regulatória seja o foco da nova versão, e possamos reduzir as alíquotas previstas no decreto original, que vai ser reformado conjuntamente.
Haddad destacou que, apesar do fim da isenção, os títulos incentivados — como LCIs, LCAs, CRIs e CRAs, entre outros — vão continuar de certa forma a contar com incentivos tributários.
Isso porque a alíquota de 5% de IR que deverá incidir sobre esses ativos será menor do que os 17,5% que serão cobrados de outros investimentos.
Eles [esses títulos] continuarão a manter uma distância grande em relação aos títulos públicos em geral [em termos de taxação], mas não permanecerão mais isentos, porque estão criando uma distorção no mercado de crédito no Brasil, inclusive com dificuldades para o Tesouro Nacional.
Na segunda-feira, no entanto, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), disse que não há compromisso do Legislativo com a aprovação da medida provisória alternativa ao decreto que elevou o IOF.
Na quarta, Motta sinalizou novamente que o projeto deve enfrentar resistência no Congresso.
Apresentar ao setor produtivo qualquer solução que venha trazer aumento de impostos sem o governo apresentar o mínimo de dever de casa do ponto de vista do corte de gastos não será bem aceito pelo setor produtivo nem pelo Congresso , disse o presidente da Câmara.
Manoel Pires, do Ibre/FGV, observa que o ideal na tributação financeira seria que todos os produtos tivessem carga tributária igual, evitando distorções — ou seja, que ativos financeiros se tornem mais ou menos atrativos devido à carga maior ou menor de impostos.
Como a poupança é muito suscetível à tributação, qualquer distorção tributária acaba movendo muito a alocação de recursos da economia , explica Pires.
Ele pondera, porém, que na prática a realidade é outra, e mesmo países desenvolvidos têm diferenças na tributação de títulos.
Em países da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico], por exemplo, é comum ter um sistema distinto para tributação de imóveis, ou para a Previdência , exemplifica.
No caso das letras de crédito ou ativos que captam recursos para a produção em geral, Pires diz que o normal nos países desenvolvidos é tributar com uma alíquota fixa, que varia de 15% a 20%.
No Brasil, o economista observa que há muito tempo se discute a redução do incentivo fiscal para ativos financeiros, porque isso cria uma distorção grande no mercado — como apontou Haddad, ao defender a proposta do governo.
Além disso, observa Pires, uma parte importante do benefício fiscal é apropriada pelos intermediários financeiros — os bancos, corretoras e distribuidoras de títulos e valores mobiliários que emitem os títulos de LCI e LCA.
A instituição financeira se apropria de uma parte relevante dessa isenção e não passa a redução de custo para a ponta, que seria o objetivo de baratear esse recurso , diz o economista.
Michael Viriato, da Casa do Investidor, explica como isso se dá na prática.
Hoje, para uma LCA ser atrativa, ela precisa remunerar a cerca de 85% do CDI, para ser equivalente a um CDB que remunere a 100% do CDI — isso porque, como o investidor não paga 15% de IR na LCA, os dois ativos têm remuneração líquida equivalente.
Para o investidor, a remuneração é a mesma, mas para o banco, cujo produto é o dinheiro, é melhor remunerar a 85% do CDI do que a 100%, explica Viriato.
Pires observa que o patamar de tributação proposto pelo governo para os títulos incentivados, de 5% — ante 17,5% para os demais ativos financeiros —, ainda mantém a disparidade entre ativos.
Provavelmente, esse patamar reduzido é porque o governo não quis comprar uma briga grande com esse tema. É algo que está sendo proposto há muito tempo, e que ninguém consegue fazer avançar.
Como em outros setores da economia, benefícios fiscais que são criados para gerar um estímulo temporário a setores específicos se perpetuam no tempo e se tornam algo permanente e muito difícil de reverter no Congresso, diante da força dos lobbies.
O setor que quer manter o benefício fiscal dele vai sempre argumentar que isso vai ter um impacto negativo no mercado que ele atua, por isso essa discussão tem dificuldade de avançar.
Se a medida é defendida por especialistas em questões tributárias e fiscais, ela é criticada por agentes do mercado financeiro e pelos setores afetados.
Essas aplicações são amplamente utilizadas por investidores conservadores, e seu apelo está diretamente ligado à isenção de imposto de renda. Qualquer mudança nesse regime pode gerar uma barreira emocional no investidor, que tende a recuar diante da percepção de perda de vantagem competitiva , afirma Sidney Lima, analista da Ouro Preto Investimentos.
Além disso, diz o analista, LCIs e LCAs são instrumentos de financiamento direto para setores estratégicos como o agronegócio e a construção civil, motores do emprego e do PIB. Elevar o custo de captação para esses setores pode comprometer a oferta de crédito, encarecer projetos e, em última instância, frear a atividade econômica, argumenta.
Mesmo que o objetivo fiscal do governo seja nobre, é preciso cuidado para não minar a base produtiva do país , diz Lima. O risco é comprometer a confiança do investidor e afetar justamente os setores que têm sustentado o crescimento econômico em meio a um cenário fiscal desafiador.
Segundo nota técnica produzida pela CBIC, Abrainc, Secovi-SP, SindusCon-SP e AELO – entidades ligadas ao setor imobiliário —, a alíquota proposta de 5% sobre as LCIs pode elevar a taxa de financiamento habitacional em até 0,7 ponto percentual, impactando diretamente o valor das parcelas e reduzindo a base de famílias elegíveis para o crédito habitacional.
Estamos falando de um setor que responde por 13% dos empregos formais no Brasil e que movimenta 97 atividades econômicas , destacou Renato Correia, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC).
Qualquer medida que restrinja o acesso ao crédito habitacional ameaça a capacidade de compra da população e a arrecadação pública, já que o setor representa 9% da arrecadação de impostos no país , acrescentou o executivo.
A Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) afirmou em nota que a medida, se confirmada, deve comprometer uma das principais fontes de financiamento privado a um dos maiores setores da economia brasileira – que representa um quarto do PIB e 26% dos empregos .
Economistas destacam ainda que é improvável que a proposta do governo passe no Congresso.
Entramos em uma conversa na qual ninguém se entende: faz sentido uma aproximação tributária maior entre as diversas fontes de financiamento, mas falta entendimento do governo do que se precisa fazer para baixar a taxa de juros estrutural, o que permitira um custo de financiamento geral menor para todos os setores , afirma Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, em relatório.
Como o governo tem insistido em focar na arrecadação e deixar de lado qualquer medida na estrutura de gastos, o risco é grande de o Congresso não aceitar essas medidas.
Apesar das queixas, Michael Viriato, da Casa do Investidor, avalia que os investimentos em LCIs e LCAs continuarão atrativos.
A diferença é que esses títulos terão agora que oferecer um retorno maior, para compensar a taxação de 5%.
Se antes uma LCI precisava remunerar a 85% do CDI, para ser equivalente a um CDB que remunerasse a 100%, agora a letra de crédito precisará remunerar a 90%.
Isso é um custo a mais de captação para o banco , observa Viriato. E esse custo a mais, não tenha dúvida, vai ser repassado para o crédito originário que dá lastro a esse LCI. Então o custo a mais não vai recair sobre o investidor que aplica na LCI, mas sobre quem pega o crédito.
Para Viriato, pode haver um período de ajuste no mercado de investimentos, porque os investidores estão acostumados a fazer seus cálculos de retorno considerando a isenção de impostos. Mas, se a remuneração for ajustada — como deve acontecer —, a atratividade dos títulos continua.
Além disso, para os bancos, continua sendo mais interessante remunerar o investidor a 90% do CDI numa LCI ou LCA, do que a 100% do CDI num CDB, observa Viriato.
Por exemplo, se um investidor aplica R$ 1.000 e o CDI está a 10% ao ano, depois de um ano, esse investidor recebe do banco de volta R$ 1.090 se investe numa LCI que remunera a 90% do CDI e R$ 1.100 se investe num CDB que remunere a 100% do CDI.
Com 5% de imposto sobre o retorno na LCA e 15% no CDB, o investidor recebe os mesmos R$ 85 de retorno líquido, mas num caso o banco pagou R$ 90 de retorno e no outro R$ 100.